sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Tejo que levas as águas

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar.

Lava-a de crimes espantos
de roubos fomes terror
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amor.

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro.

Lava palácios vivendas
casebres bairros de lata
leva negócios e rendas
que a uns farta a outros mata.

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas.

Lava avenidas de vícios
vielas e amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais.

Afoga empenhos favores
vãs glórias ocas palmas
leva o poder de uns senhores
que compram corpos e almas.

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo.

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar.

Manuel da Fonseca, Poemas Completos

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